3o Lugar: CRÔNICA:
Isabel Cristina
Silva Vargas
Pelotas/RS
ATO DE SOBREVIVÊNCIA
Para falar sobre a
importância do ato de escrever, tenho que esquecer o que já escrevi sobre o
tema para não me repetir. Passo uma borracha
em meu interior. Não quero me deixar
influenciar pelo já dito.
Hoje não sou mais a
mesma de ontem- sou aquela e mais outras tantas - portanto,
os motivos que me impeliam outrora, necessariamente, não são os mesmos de hoje. Fecho os olhos em uma profunda reflexão. Desde quando escrevo? Qual minha trajetória de
escrita? Primeiro escrevia para mim nos diários que mantinha sigilosamente na
adolescência.
Quando as pessoas se
enamoram tentam eternizar estes momentos colocando-os no papel. Geralmente não passam disto. Amontoados de papel entupidos de sentimento que são rasgados
logo ali, num momento de raiva. Os meus permanecem na caixa até hoje. Não sei
se ao abri-Ia reconhecerei aquela que os escreveu.
Quando meus filhos
nasceram o encantamento era tal que escrevi em seus álbuns para que guardassem
os meus sentimentos até depois de minha partida. Desejo
de eternidade, motivo escondido de quem escreve. Medo
da finitude. Idéia internalizada de que existe ordem para tudo.
Em um momento,
encantada com a vida, na tranqüilidade da maturidade comecei a escrever
poesias, sem me atrever a mostrar para alguém.
Enveredei para outro
tipo de escrita menos emocional. Sobre
questões da área em que atuava. Naquela era preciso manter todo um conjunto de
regras, que nos limitam a esta postura. Controle!Preservação
do meu eu. Era o profissional orientando a
comunidade.
No decorrer da vida,
sucessivos acontecimentos interferem em nossos desejos, na nossa conduta.
Mudamos. Para melhor ou pior é um juízo muito subjetivo.
O que antes temerosos
guardávamos passamos a jogar ao vento, e nesse ato de voar encontramos algumas
pessoas que se identificam conosco, outros que se descobrem. No decorrer desse
processo vamos nos livrando de certos pesos, por uma necessidade quase
incontrolável.
Afrouxamos as cangas
que nos mantém prisioneiros de nossos medos internos de rejeição. Feito isso,. depois é como brincar. Lúdico, prazeroso. É como se jogássemos aviões de papel para o
alto e eles retornassem pois mais pessoas começam a se envolver na brincadeira.
Já não brincamos a sós. A troca estimula. A necessidade se instaura, e os motivos que nos
impediam de soltar aviões, pipas ou penas ao vento já não mais importam. Quanto mais nos revelamos, mais leves ficamos.
Dividimos dúvidas, temores, inquietações, pequenas e grandes, alegrias e
conquistas. Contraditório e paradoxal, mas ao nos despojarmos de algo, mais
espaços interiores criamos.
Então nosso foco
muda. Saímos de nós, passamos a ver o que nos rodeia com um olhar mais sensível. Começamos a colocar o outro em nossos textos. Se é literatura, catarse, poesia não saberia
dizer especificando cada época. Talvez de tudo um pouco para ser mais generosa
comigo.
Reconheço
que era algo que fazia por puro prazer, além de ser leve o conteúdo
Era
como liberar energia positiva. Retorno emocional instantâneo.
Até que
um dia a vida explodiu para mim. Os cacos se espalharam e
através da escrita tentei juntar o que sobrou. O formato mudou. Tudo mudou.
Se
refletirmos, perceberemos que viver é estar em constante mutação.
Quando
as mudanças são sutis quase não as percebemos. Vivemos
com a falsa ilusão de que ainda somos os mesmos que éramos, sem perceber que já
pereceu a criança, o adolescente e algumas vezes o adulto que existiam, restando
o espectro de todos. Assim como acreditamos em muitas outras coisas, como que existe
ordem cronológica para nascer viver e morrer e quando essa ordem se inverte,
morremos também.Senão visível, de forma metafórica .
Mais
uma vez é através desse ato desesperado de escrever que tentamos expurgar a dor. É uma
necessidade imperiosa para sobreviver, ocupar a mente, externar sentimentos,
sonhar, reorganizar as emoções assim como a criança se identifica e reorganiza
as emoções nos contos de fadas, coloco para fora os monstros dos sonhos de
terror para ver se encontro nesses despojos, as fadas e os anjos que
povoaram meus sonhos e minha vida. Tento encontrar caminhos reais e
imaginários.
Escrevo
como um último recurso de criar novos territórios onde possa deletar fantasmas, desmistificar
crenças, perpetuar a vida, o amor e manter viva em mim as lembranças felizes de
seres maravilhosos que deram sentido ao meu viver..
Em
suma, é através da escrita que me oportunizo um novo sentido.
Ato declaratório de
esperança. Embate direto com a morte. A real
e a metafórica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário