domingo, 17 de junho de 2012



3o Lugar: CRÔNICA:
Isabel Cristina Silva Vargas
Pelotas/RS
ATO DE SOBREVIVÊNCIA
Para falar sobre a importância do ato de escrever, tenho que esquecer o que já escrevi sobre o tema para não me repetir. Passo uma borracha em meu interior. Não quero me deixar influenciar pelo já dito.
Hoje não sou mais a mesma de ontem- sou aquela e mais outras tantas - portanto, os motivos que me impeliam outrora, necessariamente, não são os mesmos de hoje. Fecho os olhos em uma profunda reflexão. Desde quando escrevo? Qual minha trajetória de escrita? Primeiro escrevia para mim nos diários que mantinha sigilosamente na adolescência.
Quando as pessoas se enamoram tentam eternizar estes momentos colocando-os no papel. Geralmente não passam disto. Amontoados de papel entupidos de sentimento que são rasgados logo ali, num momento de raiva. Os meus permanecem na caixa até hoje. Não sei se ao abri-Ia reconhecerei aquela que os escreveu.
Quando meus filhos nasceram o encantamento era tal que escrevi em seus álbuns para que guardassem os meus sentimentos até depois de minha partida. Desejo de eternidade, motivo escondido de quem escreve. Medo da finitude. Idéia internalizada de que existe ordem para tudo.
Em um momento, encantada com a vida, na tranqüilidade da maturidade comecei a escrever poesias, sem me atrever a mostrar para alguém.
Enveredei para outro tipo de escrita menos emocional. Sobre questões da área em que atuava. Naquela era preciso manter todo um conjunto de regras, que nos limitam a esta postura. Controle!Preservação do meu eu. Era o profissional orientando a comunidade.
No decorrer da vida, sucessivos acontecimentos interferem em nossos desejos, na nossa conduta. Mudamos. Para melhor ou pior é um juízo muito subjetivo.
O que antes temerosos guardávamos passamos a jogar ao vento, e nesse ato de voar encontramos algumas pessoas que se identificam conosco, outros que se descobrem. No decorrer desse processo vamos nos livrando de certos pesos, por uma necessidade quase incontrolável.
Afrouxamos as cangas que nos mantém prisioneiros de nossos medos internos de rejeição. Feito isso,. depois é como brincar. Lúdico, prazeroso. É como se jogássemos aviões de papel para o alto e eles retornassem pois mais pessoas começam a se envolver na brincadeira. Já não brincamos a sós. A troca estimula. A necessidade se instaura, e os motivos que nos impediam de soltar aviões, pipas ou penas ao vento já não mais importam. Quanto mais nos revelamos, mais leves ficamos. Dividimos dúvidas, temores, inquietações, pequenas e grandes, alegrias e conquistas. Contraditório e paradoxal, mas ao nos despojarmos de algo, mais espaços interiores criamos.
Então nosso foco muda. Saímos de nós, passamos a ver o que nos rodeia com um olhar mais sensível. Começamos a colocar o outro em nossos textos. Se é literatura, catarse, poesia não saberia dizer especificando cada época. Talvez de tudo um pouco para ser mais generosa comigo.
Reconheço que era algo que fazia por puro prazer, além de ser leve o conteúdo
Era como liberar energia positiva. Retorno emocional instantâneo.
Até que um dia a vida explodiu para mim. Os cacos se espalharam e através da escrita tentei juntar o que sobrou. O formato mudou. Tudo mudou.
Se refletirmos, perceberemos que viver é estar em constante mutação.
Quando as mudanças são sutis quase não as percebemos. Vivemos com a falsa ilusão de que ainda somos os mesmos que éramos, sem perceber que já pereceu a criança, o adolescente e algumas vezes o adulto que existiam, restando o espectro de todos. Assim como acreditamos em muitas outras coisas, como que existe ordem cronológica para nascer viver e morrer e quando essa ordem se inverte, morremos também.Senão visível, de forma metafórica .
Mais uma vez é através desse ato desesperado de escrever que tentamos expurgar a dor. É uma necessidade imperiosa para sobreviver, ocupar a mente, externar sentimentos, sonhar, reorganizar as emoções assim como a criança se identifica e reorganiza as emoções nos contos de fadas, coloco para fora os monstros dos sonhos de terror para ver se encontro nesses despojos, as fadas e os anjos que povoaram meus sonhos e minha vida. Tento encontrar caminhos reais e imaginários.
Escrevo como um último recurso de criar novos territórios onde possa deletar fantasmas, desmistificar crenças, perpetuar a vida, o amor e manter viva em mim as lembranças felizes de seres maravilhosos que deram sentido ao meu viver..
Em suma, é através da escrita que me oportunizo um novo sentido.
Ato declaratório de esperança. Embate direto com a morte. A real e a metafórica.

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